“Cay” - chá preto - na mesa, quente e açucarado. Aguardam pela comida, “doner kebab” e “doner vegetariano”. A espera é longa – o turco não se despacha, a hora para jantar já lá vai – aproveita-se para conversar, falar de Portugal, é ou não um país corrupto? Estamos no 26º lugar, entre 163 países - epá só faltam 25!
Falou-se também dos desafios que dois jovens arquitectos, um fotógrafo promissor e outro, possivelmente um dia, jornalista, encontram pela frente quando chega(ra)m ao mercado de trabalho.
“Sou arquitecto, recém-licenciado e iniciei a minha actividade profissional estagiando numa Câmara Municipal.” Óscar desempenhou funções de arquitecto estagiário por um período de 6 meses, numa autarquia do norte. “A dada altura chega o momento de dar o salto.” Continuar na câmara ou iniciar actividade por conta própria.
As dificuldades são imensas, passou os 6 meses de estágio a ouvir que o mercado “está muito mau”, que “não dá para todos” contudo, no decorrer desse estágio, constata que os projectos para construção e pedidos de licença, a dar entrada no seu serviço, são às dezenas. “Impossível não haver mercado!”, exclama Óscar. Acredita e monta o negócio. Ao fim de algum tempo, constata que de facto não está a tirar rendimento, “como é possível?”, questiona-se.
“O problema está no ciclo de corrupção no seio camarário”, acusa Óscar e acrescenta “de facto os projectos dão entrada mas são desviados pelos próprios funcionários, pelos técnicos (arquitectos ao serviço da autarquia) para ateliers de arquitectura de onde são sócios ou recebem comissão.” “Este processo é de conhecimento geral” diz Ricardo, o outro jovem arquitecto, “toda a gente sabe e muita gente tira proveito para beneficio próprio em detrimento da instituição que representa, o que é mau, para o mercado, para as próprias autarquias e sobretudo para os arquitectos que querem começar as suas carreiras. Nunca mais evoluímos e o problema é que não podemos fazer nada, está intrínseco na mentalidade dos Portugueses.
“Todos os processos, pedidos de licença para construir, restaurar e obras, passam pelos serviços técnicos – arquitectos - das câmaras municipais (única entidade legalmente autorizada a regular este tipo de construções), explica Ricardo.
“Em Espanha, por exemplo, estas autorizações passam exclusivamente pela ordem dos arquitectos ficando apenas para as autarquias o aspecto administrativo”, acrescenta Óscar que entretanto viu-se “forçado” a enveredar por aquele país e procurar melhores condições. Ricardo elucida que “o projecto dá entrada na câmara. Se for rentável, os técnicos protelam – metem na gaveta - por tempo indeterminado de forma a levar o cliente (o interessado pelo projecto) e o arquitecto, previamente contratado por esse mesmo cliente, ao desespero( neste negócio tempo é dinheiro). É então, que o cliente impaciente - que só se interessa pela aprovação do projecto – se dirige à câmara e recebe, do técnico um cartão indicando um atelier de arquitectos do qual, curiosamente, é sócio. Juntamente com o cartão leva a promessa de uma maior diligência no estudo e aprovação do mesmo.”
"À primeira vista, não há mal nenhum neste processo, mas vistas bem as coisas, trata-se de um ciclo vicioso cujo arquitecto, enquanto funcionário de uma câmara, devia se limitar apenas às funções adstritas. Não deve aproveitar-se das condições privilegiadas enquanto funcionário de um organismo onde toda a gente, que pretenda construir, tem obrigatoriamente de se dirigir. Pior ainda, será encaminhar clientes – "já servidos" - chegando ao cúmulo de o fazerem à frente do próprio arquitecto. O coitado teve mesmo de se identificar como tal para impedir a persuasão e consequente perda do cliente”, conta Óscar o testemunho de um jovem arquitecto, seu amigo. "Agora imagina se todos os arquitectos, funcionários das cerca de 300 câmaras municipais deste país, fizerem o mesmo?!” indaga.“Espera, não imagines, porque é a realidade!”, responde.
O problema estende-se a outras instâncias, à saúde por exemplo. Quantos médicos de família indicam aos seus pacientes para dirigirem-se a determinada clínica para receber tratamento onde, curiosamente, faz umas horitas extra, coisa pouca mas paga a peso de ouro!? Como o médico de Ricardo, que chega ao cúmulo de aconselhar o paciente para fazer um seguro “médis” para usufruir dos cuidados de saúde da clínica onde também, por acaso, dá consultas?!! Como proceder para singrar num meio de corrupção? Como lutar contra jogos de interesse e favorecimento dentro dos serviços municipais, de saúde, educação, finanças, justiça? Como contrariar o poder local, os interesses pessoais e pouco éticos dos funcionários, vereadores, directores, Presidentes? Portugal tem cerca de 300 Câmaras Municipais, ou seja, cerca de 300 instituições públicas onde impera a lei do “sabichão”. Do porteiro ao director, todos recebem o seu quinhão. Todos contribuem para a falta de oportunidade, igualdade e bom senso.
Que Portugal é este? O país do qual apenas me orgulho de ter nascido e muito desilude enquanto nele vivo! Terminado o jantar e esta longa conversa, saímos do restaurante com a frustração de nada podermos fazer para mudar o rumo deste país e preocupados com herança de hábitos corrompidos que todos os dias são transmitidos às novas gerações.
"Não estou a propor a célebre mudança de mentalidades, chavão habitual quando não se sabe o que dizer. Nem acredito em engenharias sociais para mudar a nossa cultura. Há outros meios." Comenta Franscisco Sarsfield Cabral, no DN, em Março de 2007, acerca da intenção do Governo em combater a corrupção e a burocracia.
Falou-se também dos desafios que dois jovens arquitectos, um fotógrafo promissor e outro, possivelmente um dia, jornalista, encontram pela frente quando chega(ra)m ao mercado de trabalho.
“Sou arquitecto, recém-licenciado e iniciei a minha actividade profissional estagiando numa Câmara Municipal.” Óscar desempenhou funções de arquitecto estagiário por um período de 6 meses, numa autarquia do norte. “A dada altura chega o momento de dar o salto.” Continuar na câmara ou iniciar actividade por conta própria.
As dificuldades são imensas, passou os 6 meses de estágio a ouvir que o mercado “está muito mau”, que “não dá para todos” contudo, no decorrer desse estágio, constata que os projectos para construção e pedidos de licença, a dar entrada no seu serviço, são às dezenas. “Impossível não haver mercado!”, exclama Óscar. Acredita e monta o negócio. Ao fim de algum tempo, constata que de facto não está a tirar rendimento, “como é possível?”, questiona-se.
“O problema está no ciclo de corrupção no seio camarário”, acusa Óscar e acrescenta “de facto os projectos dão entrada mas são desviados pelos próprios funcionários, pelos técnicos (arquitectos ao serviço da autarquia) para ateliers de arquitectura de onde são sócios ou recebem comissão.” “Este processo é de conhecimento geral” diz Ricardo, o outro jovem arquitecto, “toda a gente sabe e muita gente tira proveito para beneficio próprio em detrimento da instituição que representa, o que é mau, para o mercado, para as próprias autarquias e sobretudo para os arquitectos que querem começar as suas carreiras. Nunca mais evoluímos e o problema é que não podemos fazer nada, está intrínseco na mentalidade dos Portugueses.
“Todos os processos, pedidos de licença para construir, restaurar e obras, passam pelos serviços técnicos – arquitectos - das câmaras municipais (única entidade legalmente autorizada a regular este tipo de construções), explica Ricardo.
“Em Espanha, por exemplo, estas autorizações passam exclusivamente pela ordem dos arquitectos ficando apenas para as autarquias o aspecto administrativo”, acrescenta Óscar que entretanto viu-se “forçado” a enveredar por aquele país e procurar melhores condições. Ricardo elucida que “o projecto dá entrada na câmara. Se for rentável, os técnicos protelam – metem na gaveta - por tempo indeterminado de forma a levar o cliente (o interessado pelo projecto) e o arquitecto, previamente contratado por esse mesmo cliente, ao desespero( neste negócio tempo é dinheiro). É então, que o cliente impaciente - que só se interessa pela aprovação do projecto – se dirige à câmara e recebe, do técnico um cartão indicando um atelier de arquitectos do qual, curiosamente, é sócio. Juntamente com o cartão leva a promessa de uma maior diligência no estudo e aprovação do mesmo.”
"À primeira vista, não há mal nenhum neste processo, mas vistas bem as coisas, trata-se de um ciclo vicioso cujo arquitecto, enquanto funcionário de uma câmara, devia se limitar apenas às funções adstritas. Não deve aproveitar-se das condições privilegiadas enquanto funcionário de um organismo onde toda a gente, que pretenda construir, tem obrigatoriamente de se dirigir. Pior ainda, será encaminhar clientes – "já servidos" - chegando ao cúmulo de o fazerem à frente do próprio arquitecto. O coitado teve mesmo de se identificar como tal para impedir a persuasão e consequente perda do cliente”, conta Óscar o testemunho de um jovem arquitecto, seu amigo. "Agora imagina se todos os arquitectos, funcionários das cerca de 300 câmaras municipais deste país, fizerem o mesmo?!” indaga.“Espera, não imagines, porque é a realidade!”, responde.
O problema estende-se a outras instâncias, à saúde por exemplo. Quantos médicos de família indicam aos seus pacientes para dirigirem-se a determinada clínica para receber tratamento onde, curiosamente, faz umas horitas extra, coisa pouca mas paga a peso de ouro!? Como o médico de Ricardo, que chega ao cúmulo de aconselhar o paciente para fazer um seguro “médis” para usufruir dos cuidados de saúde da clínica onde também, por acaso, dá consultas?!! Como proceder para singrar num meio de corrupção? Como lutar contra jogos de interesse e favorecimento dentro dos serviços municipais, de saúde, educação, finanças, justiça? Como contrariar o poder local, os interesses pessoais e pouco éticos dos funcionários, vereadores, directores, Presidentes? Portugal tem cerca de 300 Câmaras Municipais, ou seja, cerca de 300 instituições públicas onde impera a lei do “sabichão”. Do porteiro ao director, todos recebem o seu quinhão. Todos contribuem para a falta de oportunidade, igualdade e bom senso.
Que Portugal é este? O país do qual apenas me orgulho de ter nascido e muito desilude enquanto nele vivo! Terminado o jantar e esta longa conversa, saímos do restaurante com a frustração de nada podermos fazer para mudar o rumo deste país e preocupados com herança de hábitos corrompidos que todos os dias são transmitidos às novas gerações.
"Não estou a propor a célebre mudança de mentalidades, chavão habitual quando não se sabe o que dizer. Nem acredito em engenharias sociais para mudar a nossa cultura. Há outros meios." Comenta Franscisco Sarsfield Cabral, no DN, em Março de 2007, acerca da intenção do Governo em combater a corrupção e a burocracia.